domingo, 18 de outubro de 2009

Das razões de sermos bípedes

Mamíferos Quadrúpedes

Na África de ainda hoje, as grandes manadas de zebras e gnus se dirigem aos banhados quando da estação chuvosa. Lá elas ficam livres dos predadores, cães e gatos, hienas e leões, que têm asco em persegui-los naqueles terrenos encharcados. Após seis semanas nos banhados, os filhotes estão fortalecidos e os adultos recuperados das feridas anteriormente causadas pelos predadores. Eles não ficariam mais tempo que isso.

Os habitantes das savanas - que correm muito - possuem cascos para fugir de seus predadores - que possuem garras. No pantanal mato-grossense, após um longo período de cheia, podemos observar que o gado bovino começa a ter dificuldade para caminhar – os cascos começam a dissolver-se. Os cascos resistem bem nos pastos e nas savanas, mas não foram feitos para permanecerem encharcados por muito tempo.

Mamíferos bípedes

Poucos são os mamíferos que sabem prender a respiração: golfinho, baleia, hipopótamo. Não conseguem fazê-lo os gatos, cachorros, cavalos, gorilas e chipanzés.
Poucos são os mamíferos que possuem gordura sob a pele: golfinho, baleia, hipopótamo. Não o possuem os gatos, cachorros, cavalos, gorilas e chipanzés.
Poucos são os mamíferos que não possuem pelos: golfinho, baleia, hipopótamo. São ricos em pelos os gatos, cachorros, cavalos, gorilas e chipanzés.

Colocar-se sobre duas patas apenas para olhar por sobre o capim é uma idéia insossa. Sem cascos, o homem não teria a menor chance contra os predadores nas savanas. O galho que aguenta um homem, também agüenta um leopardo predador. E nossas mãos diferem muito das dos macacos trepadores.

O homem passou a andar sobre duas patas – mas foi para manter o tronco fora d’água - para correr mais rápido pelas margens de lagos e banhados. Também foi a água que o ensinou a desenvolver o equilíbrio necessário para bem andar sobre duas patas. A imersão provoca-nos a tendência à postura ereta.

Esta teoria defendida por Elaine Morgan há um século não vingou. Tinha dois aspectos terríveis: era defendida por uma mulher numa Academia Real Inglesa machista; e faltou sensibilidade e marketing no nome – Aquatic Monkey Theory. Virou foco de gozação mundial.

Homo anfibius

Sou irmão dos dragões e companheiro das corujas.
Jó, 30:29.

Diferimos da maioria dos mamíferos por não dispormos de cascos, de presas e nem garras. Com a indecisão entre cauda e nadadeiras, perdemos o rabo por aí. Os olhos foram ficando mais juntos e coordenados para melhor avaliarmos a distância focal.

A gordura sob a pele, a ausência de pelos e o saber prender a respiração são características de mamíferos que vivem na água. Os filhotes já nascem sabendo prender a respiração.

O homem se desenvolveu nos grandes banhados da região sudeste africana. Ali ele conseguia se manter longe dos cães e felinos predadores. Restavam os crocodilos que - ao menos estes - não andam em matilhas e nem sobem em árvores. Os répteis ainda nos alimentavam de ovos e serviam como guardas a nossos “lares”. Aprendemos a respeitar e a conviver com os grandes répteis: os dragões. Simbioticamente, ainda dispúnhamos dos alertas das aves, que também cuidavam de parte da poluição que geramos desde então.

As mãos e os pés se adequaram à natação; a perda dos pelos também ajudou e agilizou nossos deslocamentos subaquáticos. A natureza nos manteve com os cabelos no alto da cabeça para nos proteger do sol e para que os filhotes se agarrassem nos deslocamentos aquáticos. Qual cabelo teria mais valia no alto da cabeça: o de homens ou o de mulheres?

Desenvolvemos a gordura subcutânea para suportar longos períodos na água.

Homo habilis

A postura bípede permitia aos homens uma visão mais estratégica que a dos companheiros crocodilianus. Com as mãos liberadas, aprendemos a jogar matacões e a empunhar galhos. Aprendemos que o couro do crocodilo durava bem mais que sua carne. O homem foi perdendo o focinho para melhorar a visão para baixo – ver onde pisava e acompanhar o trabalho das mãos.

Quando resolveu aventurar-se afastado da água, na neve ou no deserto, o homem já sabia se vestir e já desenvolvia armas. Quando se afastou dos lagos e banhados o homem dispunha da melhor ferramenta de todos os tempos: as mãos hábeis.

Com as aves havíamos aprendido a importância da comunicação. E a comunicação à distância no banhado – visual e oral/auditiva – desenvolveu nosso raciocínio simbólico. Aprendemos a imitar o silvo das serpentes para pedir atenção, silêncio (Pssiiiu!). O raciocínio simbólico foi o interfaceamento adequado para outros meios de comunicação. Multiplicamos a força do grupo social através da comunicação.

Um tempo infinitesimal ante o geológico, e o cérebro aprendeu a trabalhar com signos e símbolos – levando os homens a imaginar, a planejar, a desenvolver uma civilização.


Homo sapiens

O que nos difere dos demais tipos de vida é nossa capacidade de armazenar e transmitir conhecimento extra-somático.
Carl Sagan (1934-1996).

O neurobiologista português António Damásio atua na Faculdade de Medicina da Universidade de Iowa – USA. Em seus livros – O erro de Descartes, Em busca de Espinosa, O sentimento de si – ele defende que emoção e razão são inseparáveis. Sinteticamente, ele afirma que o desenvolvimento do raciocínio advém da repetição de atividades motoras. A mente resulta do registro repetitivo de emoções percebidas pelo corpo.

Com o raciocínio simbólico e nossa capacidade de repetir, nos tornamos capazes de transmitir e receber mensagens através dos mais diversos tipos de mídias. Desde os desenhos nas cavernas e os arautos, até o DDD e a WWW, foi só um pulinho. Descartes nos apresenta sua melhor observação na primeira frase de seu livro sobre o método de bem conduzir a razão: “O bem que melhor Deus dividiu entre os homens foi o bom senso”. Ou, nas palavras de Mário Quintana: “Cada um pensa como pode”.
Com o “raciocínio” sendo gerado a partir da repetição de atividades motoras, uma formiga “raciocina” tanto quanto nós – talvez melhor, havemos de convir, ao menos no que se refere a movimentar seis patas. E uma planta - repete movimentos? Será que um simples séssil consegue ser um produtor primário na cadeia alimentar? Será que uma planta conseguiria ser inteligente a ponto de obter e selecionar água e nutrientes, elevá-los a metros do solo e, com ajuda de energia solar, converter estas substâncias em proteínas para alimentar-se, incluindo às raízes? Você tem capacidade para fazer o mesmo? Quem é mais inteligente? Você ou a planta?

Nos anos 1950, o técnico Feola instruía os jogadores da seleção brasileira de futebol:
- Então, Garrincha, você corre com a bola pela direita e vai até perto da linha de fundo. Dois jogadores ingleses irão marcá-lo – Didi ou Zagalo estarão livres. Daí você dribla os dois ingleses e centra a bola para que eles a cabeceiem ao gol. Entendeu?
- Por mim tudo bem – respondeu Garrincha – mas ... E os ingleses? Já estão sabendo?
Muito da indiscutível capacidade intelectual de Garrincha residia em seus joelhos tortos – ou evoluídos.

A investigação científica é sempre gratificante, pois é a maneira que o intelectual tem de conversar com a natureza em suas diversas escalas: a microscópica, a inorgânica, a biológica, a humana e a macroscópica.
Charles Peirce (1839-1914).

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